Neste blog só quero expressar o que me impressiona

quinta-feira, 21 de março de 2013

Que importância tem a Perna Cabeluda?

Assim que a professora de arte terminou de explicar a atividade, a garotinha sorriu. Escolheu com delicadeza o melhor carvão para traçar no papel completamente branco, a ilustração que ela considerava importante. O primeiro traço saiu meio borrado, mas a garotinha não desistiu. Olhou para aquele borrado no canto inferior do papel e prontamente solucionou o problema: ali seria o rio. Ah, esqueci de dizer: essa garotinha a-do-ra desenhar de baixo para cima. Ela sempre começara seus bonecos e dinossauros pelos pés ou pelas patas. A sua mãe, no início, não acreditava que aquela sequência pudesse ter como resultado um desenho proporcional. Mas na terceira ou quarta vez que a mãe testemunhou aquilo, entendeu que a lógica da garotinha era outra. "Ainda bem, né? Filho não é cópia da gente!" Suspirou, saiu do quarto, mas jamais deixou de admirar as produções cada vez mais ricas em detalhes.

Pois bem. O rio naquela noite estaria cheio. E sobre o rio uma ponte ampla com as bordas ornamentadas e pintadas de azul e dourado (mas as cores só na cabeça da garotinha, porque o instrumento era carvão). Noite de lua cheia, mas encoberta por uma fina neblina. Assim daria o tom de que necessitava para bem no meio da ponte e bem no meio da folha de papel desenhar uma enorme, descomunal, terrível  e ameaçadora Perna Cabeluda. Isso mesmo. Apenas uma perna muito peluda.

Que é isso? Uma perna é importante para você? Eu hein!? E a professora deixou a garotinha abandonada com sua criação, sem oportunidade de explicar a importância daquele desenho para ela: a representação de sua terra natal por meio de uma lenda urbana.


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Êxodo

                      A trilha sonora, é claro, Beirut - Goshen

Apaguei as luzes e esperei que os toc tocs fossem embora de minha porta. Ele não entendeu que eu não sou mais aquela que amava ganhar rosas vermelhas às sextas e caixas de bombons em forma de coração aos domingos. Cresceu em mim uma vontade voraz de descobrir o mundo. E ele não entendeu. Pagou um preço muito alto enquanto eu apagava as luzes de casa e fugia de seu domínio. Atravessei a rua, ganhei a estrada até o rio que lavaria minha alma. Por que você não me ouviu?

terça-feira, 26 de junho de 2012

Vamos tentar de novo?

Caro leitor, estou de volta após longo período que abandonei você. Preciso pedir-lhe desculpas. Afinal, deixei-o sozinho, sem explicações, sem norte, leste, oeste ou sul. (...) Estou voltando com vontade de continuar testando sua paciência com minhas pseudo experiências, palavras e afins. Por enquanto, suspiros sugestivos e longos aiis me acompanham. Não! Sem pena, sem cena, leitor compassivo! Apenas um draminha trágico com sombra de Shakespeare para alimentar minha alma e encharcar seus olhos. Assim, quem sabe, temperar histórias suspensas em minha mente. Por hoje talvez seja apenas isso disso. E só.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Ana e Vânia - a tarde em que se conheceram

Todo dia de manhã, Vânia se acorrentava aos pés da mesa, conforme orientação do pai. Enquanto enrolava o ferro em seu delicado tornozelo, sorria, imaginado que cada elo seria trocado por um lugar que ela desbravaria. Todas aquelas imagens do calendário da venda seriam metamorfoseados em lugar concreto. Cheiro, sabor, toque e som.

Todo dia de manhã, Ana caminha até o riacho para refrescar-se das picadas de mosquitos e borrachudos que lhe atormentavam os sonhos. Enquanto a água fria lambia seu corpo, chorava a falta de um endereço. Uma casa no final de uma rua com todos os cômodos a que ela tinha direito: sala, quarto, cozinha, banheiro. Tão trivial...

Os dias passavam sem pressa para as duas. Até que elas se encontraram. Foi assim:

No dia seguinte, logo após o entardecer, Ana desejou pão fresco. Desejo de moça entediada é muito pior do que de mulher grávida, sua avó repetia isso toda noite antes de dormir. Caminhou até a venda de Seu Biu. Assobiou. Ouviu correntes. Em vez de fantasma, quem as puxava era uma garota. Quero dois pães, por favor. Branco ou preto? tanto faz. Então, vou colocar um de cada para você. R$1,00. A acorrentada sorriu. Ana agradeceu o pão e o sorriso e foi embora.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Ana e Vânia

Cada uma teve a criação que mereceu. A primeira, filha de ciganos. A segunda, filha de comerciantes.
Ana, a cigana, sonhava em ter uma casa de tijolos e uma cama em que pudesse estirar seu corpo durante a noite. Vânia, a comerciante, sonhava em sair daquela cidade opressora para conhecer sua paixão: o mundo.

sábado, 18 de junho de 2011

Sobre o ócio das férias

O compromisso com os livros empilhados na cabeceira da cama, com os quitutes que serão comidos na cama, com as longas conversas na cama.
Sorrisos largos enquanto o sol me abraça de sua cama.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Clichê

O ar acariciava cada pena de meu corpo como jamais pudera sentir. O mundo lá embaixo; nuances de verde. O mundo a minha frente; horizonte. A música do silêncio me aproximava de Deus. O gosto doce da liberdade.
Vida boa repleta de lugares comuns.
Puf
Som seco atravessou a plumagem branca daquele passarinho. O menor. O menos atento à movimentação daqueles seis garotos de pés no chão e olhos no céu. O pirralho foi o que acertou. Sem ginga, o passarinho desabou. Caiu aos pés do guri que, atordoado, fazia-lhe respiração boca a bico. Suspiro. Não adiantou. Em seu desespero, quebrou as frágeis costelas daquele animalzinho. Choro solitário. Risos em coro. "É claro que ele não voará nunca mais".
O menininho recolheu o passarinho em suas mãos trêmulas e levou-o para casa. No banheiro, encontrou uma caixa de Rinossoro onde comprimiu aquele corpo para dar-lhe um funeral digno.
Até hoje a cruz reluz ao lado de um pé de graviola.