Neste blog só quero expressar o que me impressiona

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Ana e Vânia - a tarde em que se conheceram

Todo dia de manhã, Vânia se acorrentava aos pés da mesa, conforme orientação do pai. Enquanto enrolava o ferro em seu delicado tornozelo, sorria, imaginado que cada elo seria trocado por um lugar que ela desbravaria. Todas aquelas imagens do calendário da venda seriam metamorfoseados em lugar concreto. Cheiro, sabor, toque e som.

Todo dia de manhã, Ana caminha até o riacho para refrescar-se das picadas de mosquitos e borrachudos que lhe atormentavam os sonhos. Enquanto a água fria lambia seu corpo, chorava a falta de um endereço. Uma casa no final de uma rua com todos os cômodos a que ela tinha direito: sala, quarto, cozinha, banheiro. Tão trivial...

Os dias passavam sem pressa para as duas. Até que elas se encontraram. Foi assim:

No dia seguinte, logo após o entardecer, Ana desejou pão fresco. Desejo de moça entediada é muito pior do que de mulher grávida, sua avó repetia isso toda noite antes de dormir. Caminhou até a venda de Seu Biu. Assobiou. Ouviu correntes. Em vez de fantasma, quem as puxava era uma garota. Quero dois pães, por favor. Branco ou preto? tanto faz. Então, vou colocar um de cada para você. R$1,00. A acorrentada sorriu. Ana agradeceu o pão e o sorriso e foi embora.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Ana e Vânia

Cada uma teve a criação que mereceu. A primeira, filha de ciganos. A segunda, filha de comerciantes.
Ana, a cigana, sonhava em ter uma casa de tijolos e uma cama em que pudesse estirar seu corpo durante a noite. Vânia, a comerciante, sonhava em sair daquela cidade opressora para conhecer sua paixão: o mundo.

sábado, 18 de junho de 2011

Sobre o ócio das férias

O compromisso com os livros empilhados na cabeceira da cama, com os quitutes que serão comidos na cama, com as longas conversas na cama.
Sorrisos largos enquanto o sol me abraça de sua cama.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Clichê

O ar acariciava cada pena de meu corpo como jamais pudera sentir. O mundo lá embaixo; nuances de verde. O mundo a minha frente; horizonte. A música do silêncio me aproximava de Deus. O gosto doce da liberdade.
Vida boa repleta de lugares comuns.
Puf
Som seco atravessou a plumagem branca daquele passarinho. O menor. O menos atento à movimentação daqueles seis garotos de pés no chão e olhos no céu. O pirralho foi o que acertou. Sem ginga, o passarinho desabou. Caiu aos pés do guri que, atordoado, fazia-lhe respiração boca a bico. Suspiro. Não adiantou. Em seu desespero, quebrou as frágeis costelas daquele animalzinho. Choro solitário. Risos em coro. "É claro que ele não voará nunca mais".
O menininho recolheu o passarinho em suas mãos trêmulas e levou-o para casa. No banheiro, encontrou uma caixa de Rinossoro onde comprimiu aquele corpo para dar-lhe um funeral digno.
Até hoje a cruz reluz ao lado de um pé de graviola.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Caranguejos com cérebro além mar

ou
Encontro marcado num domingo chuvoso

Antes dos primeiros acordes, sessão “esquenta corda vocais com sucesso de Jorge Bem Jor A minha menina” já prenunciava o que viria. Estádio lotado, em uma só voz, acompanhara. Corte. Nova música. Só que em tom convidativo: “Ground control to Major Tom take your protein pills and put your helmet on”, sugeria que a experiência que teríamos seria, no mínimo, visceral.
A batida de Larry Mullen Jr. regia os corações das 90 mil pessoas que entoavam o hit tardio Even Better Than The Real Thing. Coisas de U2, que sutilmente mostra o quanto está à frente de seu tempo. Em determinado ponto do show, ele passeou pelo palco com uma percussão que reverberava um som próximo ao tribal.
Na sequência, mistura de músicas muito conhecidas com outras nem tanto. Impressionante observar que a novidade não era empecilho para desânimo.
Pausa para terapia de grupo: The Edge é inseguro, pois não tem certeza se gostamos do que ele faz. “Aplaudam The Edge, aqueles que realmente gostam do som nervoso que ele tira de sua guitarra”, pedia um sorridente Bono. Resposta: 90 mil pessoas não só aplaudiram o guitarrista como gritavam seu nome. Comoção geral. Viro para o lado e vejo emoção em olhos brilhantes de alguns espectadores.
Diferente de sábado, a banda tocou Pride (in the name of love) acompanhada de um coro ensandecido. E a eterna Sunday bloody Sunday, desta vez, sem nomes das crianças no telão, pois já foram tatuados em nossas mentes, reforçou a nossa quinta-feira sangrenta. Por quanto tempo teremos que cantar esta canção sem nos referirmos a um massacre?
Atração à parte, o palco com suas garras de caranguejos fincadas na terra da garoa e ecoando o som para o espaço enchia meus olhos e minha mente de possibilidades e matizes. Major Tom deve ter curtido muito o contato imediato 40 anos depois.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Trilha? Parte 1

Ela surgiu em minha vida num suspiro, ofegante e sincronizado. tum tum tum. Entre notas dissonantes e batidas tribais, sua voz ecoava pelos cômodos de minha casa. "My limbs are like palm trees swaying in no breeze". Talvez ela seja a trilha sonora de minha vida. Talvez exagero de quem vive overground.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Aos que estão em casa

Sabe, leitor, a importância do passado para o presente de alguém? Pois bem. Durante muitos anos, acreditava que sem passado, não poderia ter um presente saudável. "Alguém tem colesterol alto em sua família?" "Não sei", respondia. Durante anos, incorporei uma autonomia desse passado que nada me agregava. Esta semana, finalmente, encontrei eco para meus pensamentos fugidios. http://maluceli.wordpress.com/2011/03/07/rascunho-de-um-perfil/
Maroca, você não tem ideia de como esse post foi importante para mim.