“A memória é uma paisagem contemplada de um comboio em movimento. Vemos crescer por sobre as acácias a luz da madrugada, as aves debicando a manhã, como a um fruto. Vemos, além, um rio sereno e o arvoredo que o abraça. Vemos o gado pastando lento, um casal que corre de mãos dadas, meninos dançando o futebol, a bola brilhando ao sol (um outro sol). Vemos os lagos plácidos onde nadam os patos, os rios de águas pesadas onde os elefantes matam a sede. São coisas que ocorrem diante dos nossos olhos, sabemos que são reais mas estão longe, não as podemos tocar. Algumas estão já tão longe, e o comboio avança tão veloz, que não temos a certeza de que realmente aconteceram. Talvez as tenhamos sonhado. Já me falha a memória, dizemos, e foi apenas o céu que escureceu.”
O início desse capítulo de O vendedor de passado de Agualusa é uma passagem que não me canso de visitar. Na verdade, não canso de reler esse livro. Gosto de reler trechos aleatórios e confesso que me agrada subverter a ordem dos acontecimentos narrados pela lagartixa que um dia foi humana.
desconheço esse autor, mas pelo trecho, noto ser um autor que preza pela descrição minuciosa das coisas...
ResponderExcluir=D
beijos do leitor
MARAVILHA-TE, memória!
ResponderExcluirLembras o que nunca foi,
E a perda daquela história
Mais que uma perda me dói.
Meus contos de fadas meus -
Rasgaram-lhe a última folha...
Meus cansaços são ateus
Dos deuses da minha escolha...
Mas tu, memória, condizes
Com o que nunca existiu...
Torna-me aos dias felizes
E deixa chorar quem riu.
(Fernando Pessoa)
Beijos do leitor